Ainda estou aqui

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Marcelo Rubens Paiva

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Trinta e cinco anos depois de Feliz ano velho, a luta de uma família pela verdade Eunice Paiva é uma mulher de muitas vidas. Casada com o deputado Rubens Paiva, esteve ao seu lado quando foi cassado e exilado, em 1964. Mãe de cinco filhos, passou a criá-los sozinha quando, em 1971, o marido foi preso por agentes da ditadura, a seguir torturado e morto. Em meio à dor, ela se reinventou. Voltou a estudar, tornou-se advogada, defensora dos direitos indígenas. Nunca chorou na frente das câmeras. Ao falar de Eunice, e de sua última luta, desta vez contra o Alzheimer, Marcelo Rubens Paiva fala também da memória, da infância e do filho. E mergulha num momento negro da história recente brasileira para contar — e tentar entender — o que de fato ocorreu com Rubens Paiva, seu pai, naquele janeiro de 1971.


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  • viihast
    Apr 09, 2025
    Enjoyment: Quality: Characters: Plot:

    Livro muito importante para nossa sociedade, e que jamais deverá ser esquecido, deve ser lembrado hoje, amanhã e para todo o futuro do país. Para nunca esquecermos o que aconteceu nesse país.

    É uma leitura extraordinária, necessária e ainda bem que tanto o filme quanto o livro estão tomando proporções gigantescas, não só no país, mas no mundo. E é uma loucura pensar que isso aconteceu não tem muito tempo, parecendo que foi ontem, e o quanto ainda não progredimos o suficiente, visto os acontecimentos mais recentes do país. Isso só não atrapalhou o país, como atrasou seu desenvolvimento.

    Além de todos os acontecimentos da ditadura militar, de seu pai e da política no Brasil, Marcelo, em alguns momentos até poético, traz belas recordações de sua mãe.

    A forma como abordou a doença de Eunice Paiva, o alzheimer, também me impactou de uma forma inexplicável, não sei porque, mas essa doença tem fortes impactos em mim, mesmo não tendo nenhum familiar ou conhecido que passou ou passa por isso.

    Gostaria de ter lido esse livro bem antes, mas acho que isso talvez teria me moldado de uma forma mais rude e grosseira, visto que tenho ex-militares na minha família. Tios que eram muito queridos para mim, mas hoje, após essa leitura, me questiono dos seus respectivos papéis naquela época.

    Adorei a escrita do Marcelo, parecia que eu conseguia imaginar sua vida, sua rotina, belas descrições que constroem um conforto mas aí tempo o destroem, sem palavras. Me surpreendeu totalmente sua forma de narrar todos a história de sua família, seus amigos, familiares, as férias que passava na fazenda, suas várias mudanças de residência, tudo o que se passou com seu pai, seu exílio, sua tortura, sua morte, e como lidou com tudo isso.



    "A memória é uma mágica não desvendada. Um truque da vida. Uma memória não se acumula sobre outra, mas ao lado. A memória recente não é resgatada antes da milésima."

    "Este livro sobre memória nasce assim. Histórias são recuperadas. Umas puxam outras. As histórias vão e voltam com mais detalhes e referências. Faço uma releitura da releitura da vida da minha família. Reescreverei o que já escrevi."

    "Nosso inimigo não iria nos derrubar. Família Rubens Paiva não chora na frente das câmeras, não faz cara de coitada, não se faz de vítima e não é revanchista. Trocou o comando, continua em pé e na luta. A família Rubens Paiva não é a vítima da ditadura, o país que é. O crime foi contra a humanidade, não contra Rubens Paiva."

    "A maioria não tinha ideia do que se passava. A censura e o milagre brasileiro cegavam."

    "O que seria de nós sem o golpe? O que seria do Brasil? Seria possível o Brasil resistir à tendência dos anos 60-70, quando países do continente se transformaram em ditaduras de direita, peças do jogo de dominó da Guerra Fria?"

    "Morreu repetindo o seu nome. Meu nome é Rubens Paiva, meu nome é Rubens Paiva, meu nome é Rubens Paiva, meu nome é Rubens Paiva, meu nome é Rubens Paiva...
    Dizem que foi torturado ao som de 'Jesus Cristo', de Roberto Carlos, música que a minha irmã Eliana se lembra de ter escutado enquanto estava lá."

    "A tortura é a ferramenta de um poder instável, autoritário, que precisa da violência limítrofe para se firmar, e uma aliança sádica entre facínoras, estadistas psicopatas, lideranças de regimes que se mantêm pelo terror e seus comandados. Não é ação de um grupo isolado. A tortura é patrocinada pelo Estado. A tortura é um regime, um Estado. Não é o agente fulano, o oficial sicrano, quem perde a mão. É a instituição e sua rede de comando hierárquica que torturam. A nação que patrocina. O poder, emanado pelo povo ou não, suja as mãos."

    "Por que a tortura nunca acaba? Serve para quê?
    Para apressar, com eficiência duvidosa, a conclusão de uma investigação. Para encontrar reféns desaparecidos, comparsas, resgates e mandantes. Para desbaratar uma quadrilha. Como vingança. Para destroçar um indivíduo, reforçar quem manda, aterrorizar a população, torná-la dócil. Para dar senso de camaradagem a uma comunidade fechada, como um satânico rito grupal primitivo. Para unir sob uma bandeira que não se sustenta. Para humilhar."

    "O caso Rubens Paiva está longe de terminar."

    "Ela apontou trêmula para a TV e começou a dizer, aflita, chamando a nossa atenção e a atenção da própria memória:
    — Olha, olha, olha! Na TV, um noticiário sobre Rubens Paiva. Neste 2014, apareciam todos os dias notícias sobre o caso Rubens Paiva. Todos os dias, novidades. Ela sentadinha inerte na cadeira de rodas. Apareceram fotos dele de arquivo na tela. Era a foto do seu ex-marido, era o nome dele, falavam dele, desvendavam segredos sobre a morte dele:
    — Olha, olha, olha! Ela olhava. Com lágrimas. Ouviu a notícia. Começou a dizer baixinho:
    — Tadinho, tadinho, tadinho..."

    "O passado é conservado por ele mesmo. Nos segue por toda a vida."

    "Naquela tarde que pegamos o atestado de óbito, em 1996, vi minha mãe então chorar como nunca fizera antes. Era um urro. Não tinha lágrimas. Como se um monstro invisível saísse da sua boca: uma alma. Um urro grave, longo, ininterrupto. Como se há muito ela quisesse expelir. Pela primeira vez, me deixou falar, sem me interromper. Pela primeira vez, na minha frente, chorou tudo o que havia segurado, tudo o que reprimiu, tudo o que quis. Foi um choro de vinte e cinco anos em minutos. O rompimento de uma represa."

    "Na proclamação da Constituição de 1988, depois de uma constituinte atribulada de que ela participou defendendo os povos indígenas, o presidente do Congresso, o bom velhinho, o ícone da redemocratização, o homem mais respeitado do país, Ulysses Guimarães, declarou a um plenário lotado, encerrando os trabalhos: 'Esta é a Constituição Rubens Paiva!'. Ela estava lá, convidada de honra."

    "Superar? Impossível. Esquecer? Nem pensar. Tocar. Seguir. Esperar reacenderem outra fogueira no alto, outro facho de luz, que orientasse a volta para a costa, para a terra firme, o chão."

    "Ali estava um ícone da ditadura, prova bem articulada que contestava a versão oficial. Minha mãe viva negava a mentira criada. O entra e sai era tamanho, que ela não tinha tempo para futilidades. Eu tinha, sim, ódio dos militares. Do poder. No entanto, assistir à atuação dela me ensinou a não alimentar revanchismos. Ao invés de se fazer de vítima, ela falava de um contexto maior, entendia a conjuntura do continente, sabia ser parte de uma luta ideológica. Era mais uma Maria (Maria Eunice), cantada por Elis Regina em 'O bêbado e a equilibrista' ('choram Marias e Clarisses, no solo do Brasil...'). Nunca se deixou cair no pieguismo, não perdeu o controle diante das câmeras, nem vestiu uma camiseta com o rosto do marido desaparecido. Não culpou esse ou aquele, mas o todo. Não temeu pela vida. Lutou com palavras."

    "Via minha mãe sem rancor, publicamente a favor da Anistia, aliada a movimentos dos direitos humanos, sensata, com um ideal nos punhos, e me dizia que ali estava a atitude correta, a nossa guerra. Ela aos poucos se tornava um ícone da redemocratização. Uma autoridade. Dava entrevistas, recepcionava aliados, frequentava reuniões no Congresso, agregava."

    "A tática do desaparecimento político é a mais cruel de todas, pois a vítima permanece viva no dia a dia. Mata-se a vítima e condena-se toda a família a uma tortura psicológica eterna. Fazemos cara de fortes, dizemos que a vida continua, mas não podemos deixar de conviver com esse sentimento de injustiça.

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  • vibexc
    Mar 13, 2025
    Enjoyment: Quality: Characters: Plot:

    pessoalmente não conseguindo avaliar como "gostei" ou "favoritado" um livro que fala do sofrimento real de uma família brasileira

    livro curto, com um começo um pouco confuso mas que logo a leitura começa a fluir.

    só consigo me imaginar no lugar de um dos filhos do Rubens Paiva, de pensar o desespero de não saber onde meu pai tá, o que aconteceu com ele.

    penso também na dualidade da demência nesse caso, de um lado a possibilidade de talvez esquecer tudo e ao mesmo tempo a dor da possibilidade de esquecer tudo.

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    Vera: “Agora, família virou coisa de direita. Mas nós também somos família. Nós também temos religião. Minha mãe foi à missa aos domingos até o fim da vida e ainda reclamava quando o padre era reacionário. Nós também queremos uma pátria, mas uma pátria diferente, sem desigualdade, com justiça social e solidariedade.”

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